O câncer e as emoções

Podemos nos referir à saúde de uma pessoa somente se tivermos condições de avaliar suas emoções, seu nível de estresse, suas frustrações, a forma com que ela lida com as respostas que a vida lhe impõe, se ela tem ou não motivação (motivos para ação), e, principalmente, se ela continua “sonhando”.

As pessoas sofrem emocionalmente de diversas formas. Algumas até imperceptíveis. E, quando não conseguem exprimir com palavras suas mazelas interiores, o corpo é castigado.

O ser humano não pode se “dicotomizar”. Separar a cabeça, seu “grande mestre”, do coração. Nem se separar da casa onde mora, do seu trabalho, das expectativas que cria a todo o momento e que, por muitas das vezes, não são correspondidas.

Partindo dessa visão holística, podemos estabelecer paralelo entre a história do ser e sua personalidade, seu funcionamento diante da vida, suas tensões e distensões e podemos entender como ele pode contrair, por exemplo, câncer.

No segundo século, Dr. Galen já dizia que mulheres deprimidas tinham mais tendência ao câncer que as de temperamentos opostos. Também Valliant, apesar de não estabelecer correlações especificas entre traços de personalidade e doenças, demonstrou que alguns mecanismos de defesa são, além de ineficazes, prejudiciais à saúde física. As pessoas, por estarem assim estruturadas do ponto de vista de sua personalidade, não só são mal ajustadas emocionalmente, como fisicamente e têm mais chances de adoecer. Barrows, em 1783, atribuiu o câncer às paixões desenfreadas da mente que afetam o paciente durante um longo tempo. Hunn, por volta de 1822, em texto por ele escrito, “Câncer de Mama”, disse da influência de fatores emocionais no surgimento e no crescimento de tumores.

Em outro texto clássico, esse de Patologia Cirúrgica, publicado em 1870, Sir James Paget expressou sua convicção de que a depressão, a ansiedade profunda, as esperanças desfeitas e os desapontamentos estavam intimamente ligadas ao aparecimento do câncer.

Realmente, algumas pessoas, ao perderem entes queridos, não suportam a dor e a saudade e passam inconscientemente a rejeitar a vida e criar dentro de si um desejo oculto de morte. Elida Evans, analista junguiana, referiu-se a esses pacientes como pessoas que haviam investido sua identidade em um objeto de papel individual (uma pessoa, um trabalho, um lar), ao invés de desenvolver a sua própria individualidade. Quando o objeto ou função lhes era retirada, esses pacientes tinham de confrontar-se e enfrentar a si mesmos, com poucos recursos para fazê-lo. Evans achava ainda que o câncer era um sintoma de que havia outros problemas não resolvidos na vida do paciente e suas afirmações não só foram confirmadas, como também elaboradas por outros pesquisadores.

Nossa interpretação, em casos de pacientes com câncer, coincide com a de Evans, quando damos conta da fusão que existe da pessoa com o “tu” que se elegeu. São pessoas portadoras de uma dependência psíquica, funcional, do outro, caracterizando-se ao mesmo tempo por uma “falta de vigor” e uma necessidade viscosa do objeto.

Nessa mesma linha, em nossa experiência com mulheres portadoras de câncer de mama, percebemos que nelas existe, escondida em aparente auto-suficiência, uma grande fragilidade, como se fossem guerreiras que abriram mão de suas fantasias, de seus sonhos e de seu direito de serem felizes. Com isso, suprimiram seus sentimentos e, por vezes, já não mais os reconhecem.

Acompanhando o raciocínio da Dra. Lydia Temoshok, observamos que o equilíbrio homeostático exigido para a obtenção da saúde, nesses casos, fica severamente enfraquecido. Perde-se o contato com o mundo interno, suas necessidades e o viver é um cotidiano infindável, uma rotina a ser cumprida, um alheamento da vontade própria.

Outro aspecto importante a ser considerado é a relação evidente entre o estresse e a doença. Durante anos, os médicos puderam observar que há maiores possibilidades de ocorrerem doenças após acontecimentos altamente estressantes na vida das pessoas. Muitos já constataram que, quando seus pacientes sofrem de dores emocionais, há um aumento, não apenas das doenças já reconhecidamente suscetíveis à influência emocional, como úlceras, doenças cardíacas, dores de cabeça, etc., mas também de doenças infecciosas, dores lombares e mesmo maior propensão a acidentes.

Na década de 20, Hans Selye, endocrinologista e diretor do Instituto de Medicina Experimental de Montreal, usou pela primeira vez o termo stress da Física para significar as ações mútuas de forças que têm lugar através de qualquer ação do corpo. Demonstrou ele que um organismo, quando exposto a um esforço provocado por um estímulo que ameace sua homeostose, reage com o corpo todo e de “forma uniforme e não específica”. Chamou então essa forma de reagir de Síndrome Geral de Adaptação, chegando assim à noção de estresse. Portanto, para ele, estresse era “uma resposta inespecífica que o organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço para adaptação”. Essas situações, segundo Selye, iriam se acumulando na pessoa e constituindo-se em importante indicador preceptivo de um adoecer psicossomático.

Pesquisas atuais também confirmam as diferenças substanciais de taxa de incidência do câncer em pacientes com diversos tipos de problemas mentais e emocionais. Os dados apontam para conexões significativas entre estados emocionais e doenças. O médico J. H. Hunphry e seus colaboradores, em seus estudos, conseguiram indicações que fatores mentais podem ser responsáveis pela supressão do sistema imunológico. Concluíram que a imunidade do corpo contra a tuberculose poderia ser profundamente afetada com o uso da sugestão hipnótica, demonstrando assim, de maneira inequívoca, a influência do estresse mental e emocional nas defesas do organismo.

O corpo foi planejado de forma tal, que os momentos de estresse, seguidos por uma reação física do tipo “lutar” ou “fugir”, causem poucos danos ao indivíduo. No entanto, quando a resposta fisiológica do estresse não é descarregada, por causa das conseqüências sociais da “luta” ou “fuga”, ocorre o tal efeito cumulativo a que Selye se referia. É o que chamamos de estresse crônico. Ele suprime o sistema imunológico responsável pela destruição das células cancerosas ou microorganismos estranhos do corpo. Os pontos importantes a ser destacado são as indicações físicas descritas por Selye, basicamente idênticas àquelas sob as quais uma célula anormal poderá reproduzir-se e se tornar um perigoso câncer. Não é com surpresa que constatamos que muitos dos pacientes cancerosos já apresentavam, anteriormente, sistemas imunológicos deficientes.

O Dr. Salomon buscou especificar o mecanismo fisiológico pelo qual o estresse pode levar à supressão do sistema imunológico. Quando comparamos seu trabalho ao de Selye e ao de outros, começamos a ter uma ideia de como o estresse emocional pode criar as condições necessárias para que ocorra o câncer. O que ainda nos falta é uma compreensão mais profunda do corpo humano para podermos estabelecer, cientificamente, a ligação entre o câncer e o estresse.

Mister se faz destacar, contudo, que a quantidade de estresse emocional causado por fatores externos, depende da maneira como o indivíduo interpreta ou lida com eles. Nem mesmo os pesquisadores podem prever doenças a partir da quantidade de eventos estressantes da vida de uma pessoa. Muitas, simplesmente, não adoecem, mesmo que recebam grandes cargas de estresse, ou seja, nem todos reagem de forma semelhante a fatores externos.

Os nossos padrões de comportamento estabelecem uma orientação ou posição em relação à vida e existem indicações de que diferentes tomadas de posição podem estar associadas a certas doenças. Porém, são apenas indicações. Em relação ao câncer, estudos recentes confirmam um tipo de personalidade semelhante para as pessoas que sofrem desse mal. O que não quer dizer que todos que tenham personalidade desse tipo venham a contraí-lo.

Portanto, há que se ter muito cuidado com as generalizações. Estudos estatísticos se aplicam a grupos e não a uma pessoa só. Por isso, é importante sempre deixar claro que a presença das características citadas não é, necessariamente, causadora de algum tipo de doença ou do câncer. Ter a personalidade mais ou menos introvertida, sofrer ou não perdas importantes ou ter a vida mais ou menos estressante, não quer dizer que se vai ficar doente ou ser sadio para sempre.

*Autora: Marisa Speranza.
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4 Responses to O câncer e as emoções

  1. Apolo says:

    Oi, estive em um tratamento de câncer no cérebro e não sei explicar esse processo todo que passei pois fiquei sabendo que o Glioblastoma Multiforme éra um dos mais “cruéis” e que não existia uma cura especifica para ele. Qualquer pessoa que recebe uma noticia dessa fica meio que “baqueado” e as vezes pensa que a vida acabou. Creio que minha vontade de viver e o apoio da família ajudou em minha cura (o tratamento médico precisa destas variáveis para funcionar), e quero tentar montar algo para ajudar as pessoas e seus acompanhantes a serem fortes nesse momento. Agente fica meio limitado e muitas coisas que tinhamos o hábito de fazer, ficam pra 2.o ou 3.o plano porém, a ajuda de familiares e o otimismo criados nesse momento é realmente algo crucial para esta melhora. Parabéns pelo artigo!!

    • Olá Apolo!
      Se já é difícil saber que você passou por isso, é inimaginável pensar como foi para você.
      Sem dúvida sua experiência será muito útil para auxiliar pessoas que estejam percorrendo o mesmo caminho que você percorreu.
      Bom é saber que você quer ajudar outras pessoas, melhor é saber que você superou essa enorme dificuldade. Tenho certeza que a forma como vê a vida hoje é bem diferente e, arrisco dizer, mais positiva e saudável emocionalmente!
      Grande abraço!

  2. Torço para que sejamos surpreendidos ainda mais num período curto de tempo.

    http://www.youtube.com/watch?v=ROr7qz1imxA&feature=player_embedded

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